CUPERTINO â Pode nĂŁo parecer, mas a Apple atravessa um momento crĂtico. O iPhone continua dominando o mercado (ocupa as 4 primeiras posiçÔes entre os 10 smartphones mais vendidos no mundo no primeiro trimestre de 2025), mas as açÔes da empresa caĂram bastante, 16,8%, desde o começo do ano.
Isso tem a ver com a guerra tarifĂĄria entre Estados Unidos e China, que pode atingir em cheio a Apple. Mas ela tambĂ©m enfrenta desafios legais (as regras da App Store vĂȘm sendo questionadas na Justiça dos EUA), e sobretudo tecnolĂłgicos: problemas no desenvolvimento da Apple Intelligence, sua suĂte de IA.
Ao apresentar a Apple Intelligence, em 2024, a empresa prometeu uma função revolucionĂĄria. A assistente virtual Siri, agora turbinada por IA, seria capaz de ler e entender as informaçÔes exibidas na tela do iPhone e agir proativamente de acordo com elas. Poderia, por exemplo, cruzar o conteĂșdo do iMessages com o calendĂĄrio do iOS â e lembrar a vocĂȘ que aquele filme ou sĂ©rie, sobre o qual um amigo falou na semana ada, estreia amanhĂŁ.Â
Outro exemplo. Ao avistar uma pessoa de cujo nome nĂŁo lembra, vocĂȘ poderia discretamente perguntar Ă Siri: âqual Ă© mesmo o nome do sujeito com quem tive uma reuniĂŁo, no local âXâ, dois meses atrĂĄs?â. A Apple Intelligence consultaria o seu calendĂĄrio â e, em poucos segundos, levantaria o nome da pessoa. Lendo os dados de todos os apps, e usando IA para interpretar e relacionar as informaçÔes, ela seria capaz de fazer vĂĄrias outras coisas, todas inĂ©ditas.Â
Essas habilidades, que receberam o nome de onscreen awareness (âpercepção da telaâ), prometiam colocar a Apple na liderança da prĂłxima onda da inteligĂȘncia artificial, caracterizada por algoritmos mais espertos, integrados ao sistema operacional â um o Ă frente dos atuais bots de texto. SĂł havia um problema. A tecnologia nĂŁo estava pronta.Â
A Apple foi adiando o lançamento da função, atĂ© itir que vai precisar de mais tempo para desenvolvĂȘ-la, e a onscreen awareness pode demorar atĂ© 2026. Em maio, a empresa decidiu apagar do YouTube uma propaganda que mostrava essa caracterĂstica da Apple Intelligence. Foi um gesto de honestidade e humildade, mas tambĂ©m embaraçoso. Arranhou o retrospecto impecĂĄvel da Apple â que, ao contrĂĄrio das outras gigantes da tecnologia, sempre foi conhecida por sĂł demonstrar tecnologias reais e prontas (nada de vaporware).
A empresa estĂĄ tentando reagir. Afastou John Giannandrea, um especialista em IA que ela trouxe do Google em 2018, do comando da Apple Intelligence â e colocou no lugar Mike Rockwell, o executivo que liderou o desenvolvimento do headset Vision Pro. Giannandrea, segundo fontes internas da Apple citadas pela agĂȘncia Bloomberg, tinha um estilo considerado lento. Â
Como a nova Siri ainda não estå pronta, a Apple elegeu outra coisa para ser a principal novidade do Worldwide Developers Conference 2025 (WWDC 25), seu evento anual de software: novas versÔes de todos os seus sistemas operacionais, incluindo um novo iOS.
ei as Ășltimas 24h rodando a primeira versĂŁo de desenvolvimento do iOS 26, que instalei num iPhone 16. O destaque do iOS 26 Ă© sua interface, que adota o novo visual Liquid Glass.
A Apple diz que Ă© a maior mudança desde o iOS 7, lançado em 2013. Mas, na prĂĄtica, o novo visual do sistema nĂŁo Ă© um salto tĂŁo dramĂĄtico quanto a retĂłrica da empresa tenta fazer crer. Ă uma evolução bem vinda e bem executada, que deixa a interface do iPhone mais bonita.Â
Seu principal elemento grĂĄfico, que a Apple batizou de loupe (âlupaâ, em inglĂȘs), Ă© um bloquinho retangular feito de vidro, que serve para destacar o item que vocĂȘ estĂĄ selecionando. Esse bloquinho aparece em menus, quando vocĂȘ seleciona alguma opção deles (veja no vĂdeo acima), e tambĂ©m ao selecionar pedaços de texto (veja abaixo).Â

Em ambos os casos, funciona bem. Nos menus, a função do bloquinho de vidro Ă© fĂĄcil de entender (e o resultado visual fica bonito). E ele ajuda bastante a selecionar texto para apagar, recortar ou copiar em mensagens â algo que no iOS atual, e tambĂ©m no Android, costuma ser uma tarefa meio chata/imprecisa devido Ă s alças de seleção pequenas.  Â
Os demais elementos da interface do iOS 26, como os botÔes, as notificaçÔes e os campos de entrada de texto, também são de vidro. O resultado é especialmente bonito no navegador Safari e no aplicativo Apple Music, no qual os elementos de vidro reagem em tempo real às cores do que estå ando pela tela, atrås deles (veja abaixo).
A animação Ă© altamente precisa e rĂĄpida â o que talvez gere uma certa carga na GPU (o chip de vĂdeo) do smartphone. O iOS 26 funcionou perfeitamente, sem qualquer lentidĂŁo ou engasgo, durante meu dia de teste. Ă um bom sinal (e notĂĄvel em se tratando de um developer beta).Â
Mas eu instalei o novo iOS num iPhone 16. A performance em aparelhos mais antigos (quando o iOS 26 for liberado ao pĂșblico, nos prĂłximos meses, ele serĂĄ compatĂvel com o iPhone 11 em diante) ainda Ă© uma incĂłgnita. A Apple diz que otimizou bem o sistema, e ele nĂŁo deverĂĄ pesar mesmo em iPhones mais antigos. A conferir.

O Ășnico ponto em que a transparĂȘncia nĂŁo parece perfeitamente calibrada Ă© o Control Center. Se vocĂȘ estiver usando Ăcones monocromĂĄticos ou translĂșcidos (uma novidade), ele pode ficar um pouco difĂcil de ler â veja o exemplo acima, capturado no iPadOS 26. Nada que um tiquinho a mais de opacidade nĂŁo resolva.  Â
Outra mudança do iOS 26 estĂĄ nos wallpapers 3D: a foto se altera sutilmente de acordo com o movimento do iPhone na mĂŁo, dando a impressĂŁo de tridimensionalidade. Na vida real, impressiona (o vĂdeo acima, 2D, nĂŁo consegue demonstrar totalmente o efeito). Â
Mas o resultado depende da composição da foto (vocĂȘ pode usar qualquer uma: o iOS analisa a imagem, e destaca o elemento em primeiro plano). Pedi a um engenheiro da Apple que criasse um wallpaper 3D na hora, ele tirou uma selfie â e o resultado ficou menos impactante, com menos efeito 3D, do que nas imagens prĂ©-selecionadas pela empresa.
As mudanças visuais no iOS 26 servem para contentar os usuĂĄrios de iPhone, dando a eles algo interessante enquanto a Apple Intelligence âpra valerâ, com a Siri dotada de onscreen awareness, nĂŁo chega. TambĂ©m alinham a interface grĂĄfica de todos os dispositivos da Apple, que am a adotar a mesma linguagem visual, a Liquid Glass.Â
Ela foi inspirada no headset Vision Pro. Mas o Vision Pro Ă© um produto mais âaspiracionalâ, para mostrar o que a Apple Ă© capaz de fazer. Embora seja um triunfo de engenharia, nĂŁo se tornou um sucesso comercial (segundo rumores, a Apple teria atĂ© reduzido sua produção). Se Ă© assim, por que adotĂĄ-lo como inspiração para iPhones, iPads, Macs, Apple Watches e demais dispositivos da empresa?
O aparente paradoxo tem levado o mercado a especular que, na verdade, a Apple esteja preparando o terreno para lançar um Ăłculos de realidade aumentada (que, ao contrĂĄrio do Vision Pro, poderia ter boas chances de se tornar um dispositivo de massa).Â
Pergunto isso a Alan Dye, vice-presidente de âdesign de interfaces humanasâ da Apple. Dye Ă© um dos executivos mais poderosos da empresa: ocupa uma posição que jĂĄ foi do inglĂȘs Jony Ive. TambĂ©m Ă© um nerd do design, que cismou com o kerning (espaçamento entre as letras) jĂĄ na infĂąncia, ao aprender a escrever o prĂłprio nome.
Dye primeiro reage como executivo, e se esquiva da pergunta. âEstamos aqui para falar do que estamos apresentando hoje.â Mas entĂŁo sorri de forma levemente enigmĂĄtica â e, mesmo medindo as palavras, nĂŁo consegue evitar uma resposta intrigante. âEssa linguagem de design [a Liquid Glass] serve muito bem Ă visĂŁo que nĂłs temos do futuro.âÂ
O jornalista viajou a convite da Apple.
Fonte: abril